Relacionamentos

Um breve texto sobre voltar a morar com os pais

Depois de aplicar meu currículo a inúmeras vagas de emprego e ter recebido muitos nãos e pouquíssimos feedbacks construtivos, eu me sentia cansada. Era outubro de 2018 e faziam 7 meses que eu estava formada e desempregada.

Me sentia cansada de explicar aos meus pais que sim, eu enviava currículos, que meu perfil e conhecimentos técnicos estavam dentro do que as empresas pediam, mas não conseguia ser chamada.

Me sentia cansada de explicar a eles que graduados de diversos cursos concorriam a essas mesmas vagas – e, apesar de parecer uma piada, essa peculiaridade é mais comum do que você imagina. Era complicado justificar isso – porque, para os nossos pais, sairíamos da faculdade minimamente com um emprego garantido recebendo um salário próximo ao piso da nossa profissão.

As poucas entrevistas que consegui fazer me esgotavam emocionalmente, porque comecei a perceber que além de concorrer com uma galera completamente aleatória, os salários oferecidos eram baixíssimos e os planos de carreira quase inexistentes – e que se eu não estivesse disposta a trabalhar naquelas condições, alguém com certeza estaria.

Escrevi tudo isso pra você entender que eu estava perdida. Muito perdida.

Perdida não apenas profissionalmente, mas também e – principalmente – pessoalmente. Apesar de hoje ter um bom relacionamento com meus pais, no passado, vivemos um período bem conturbado.

Cresci numa família de classe média, onde meus pais abdicaram de muito (muito mesmo) em prol dos filhos e do nosso bem-estar familiar – sem luxo ou ostentação. Vivi cercada de privilégios – falo de privilégios relativamente simples, mas que muitas pessoas sequer conhecem.

Desconfio (na verdade, tenho certeza) que esses privilégios dificultaram um pouco meu processo de compreensão de algumas coisas. E isso não é culpa dos meus pais, aliás, isso não é culpa de ninguém.. Eles só quiseram facilitar um pouco mais o meu caminho, porque sei que o deles foi penoso.

Via meu diploma pegando pó dentro da gaveta, não tinha um emprego, não tinha meu dinheiro – muito menos o meu espaço, por consequência não podia ditar as regras dentro de casa e pra completar esse combo – tinha eventuais problemas de relacionamento no ambiente que eu vivia.

No fundo, me sentia cansada por perceber que minha vida estava parada no mesmo lugar há meses – ela não ia nem pra frente e, nem pra trás.

Levando tudo isso em conta, não é atoa que, quando finalmente fui aprovada em um processo seletivo para trabalhar na minha área de formação em uma indústria de outra cidade, não hesitei – aliás, nem pensei direito.

Esse momento, somado a outros, compõe uma longa lista de insanidades que já fiz ao longo da minha curta vida.

Sendo 110% transparente com você: se eu tivesse analisado com clareza, bom senso e pé no chão a proposta – a empresa, o salário, os benefícios, o ir para outra cidade, assumir contas de uma casa, os prós e contras – enfim, se eu tivesse colocado numa balança muito realista o pacote todo – teria negado. Eu não teria ido.

Só que na minha cabeça eu precisava ser independente. Precisava sair dali.

Na minha cabeça – eu precisava fugir, mesmo sem ter muita clareza do que exatamente eu estava fugindo.

Eu não tinha um plano ou um direcionamento. Não conhecia ou sequer pensava sobre os meus valores e não sabia pra onde minha vida estava indo… Quer dizer, a curto prazo eu sabia e a curto prazo aquilo ali – como muitos outros episódios que vivi – aparentemente fazia sentido.

Minha história poderia ter tomado um rumo diferente, mas aos 22 anos eu não sabia disso.

Eu só fui.

E por não colocar as minhas vontades em cima da mesa ou refletir sobre as consequências das minhas escolhas, é que os meses subsequentes foram extremamente caóticos. Por conta disso, posso dizer que – o último ano foi o momento de botar ordem na casa.

Um dos pontos mais difíceis de ir embora da casa dos pais – é o precisar voltar pra casa dos pais.

Não que não dê pra voltar ou que fazer esse movimento seja errado, mas a minha situação e o meu passado faziam com que eu enxergasse o voltar para a casa deles como uma derrota. Como uma confirmação de que deu tudo errado. Eu tinha vergonha de voltar. Mas, além disso tudo, eu tinha medo de precisar admitir que meus planos não deram certo – de falar que dei passos maiores do que as minhas pernas aguentavam naquele momento.

Então, após esse relato que saiu lá do fundo do meu coração, você pode imaginar que – quando fui embora, fui porque estava completamente disposta a não voltar mais.

É impressionante o que o outro consegue fazer conosco. Como que – de uma forma sutil e tóxica – ele chega e leva tudo aquilo que temos: nossas convicções, as pessoas que amamos e aquilo que mais gostamos. Como, de forma estratégica, fria e narcisista tudo que fazemos torna-se um gatilho para suas inseguranças.

Nos tornamos rapidamente o lado mais fraco e mais submisso – e nem percebemos.

Conseguir sair do buraco gigantesco que eu estava enfiada foi uma luta – e só quem saiu de alguma situação semelhante sabe o quão custoso é. Antes de tudo precisei me livrar dos problemas e do peso que uma terceira pessoa jogou em cima de mim e identificar o que de fato era meu.

Meus pais deixaram a porta da casa deles aberta. O discurso envolvia algo como: “aqui sempre será sua casa”.. Mas, mesmo sabendo que seria bem-vinda novamente, falar pra eles que eu não estava feliz e que gostaria de voltar – foi uma merda.

Não queria que minha vida tivesse tomado esse rumo.

Não queria subir as escadas do prédio carregando caixas e malas com o que tinha sobrado das minhas coisas, nem deitar no sofá da casa deles e chorar por noites e mais noites até pegar no sono. Não queria viver com uma sensação de angústia e revolta dentro de mim. Mas, na verdade, eu só não queria que eles tivessem me visto nessa situação.

No começo eu não entendia o porquê de estar voltando ao “ponto de partida” ou o porquê de viver aquilo. Agora eu entendo. Não só entendo, mas tenho a certeza que a coisa mais corajosa e coerente que fiz por mim e pela minha vida nos últimos tempos, foi voltar.

Encontrei na casa deles muito além de um teto. Encontrei uma oportunidade de ressignificar nosso relacionamento. Mesmo com material e motivos suficientes para jogarem coisas e fatos na minha cara, eles nunca fizeram isso.

Queria contar que é um prazer conhecer meus pais, agora como adulta, e me colocar – de verdade – um pouquinho no lugar deles.

Precisei voltar para colocar as coisas no lugar, entender a real importância dos meus valores, e conseguir fazer planos concretos baseados neles – em quem eu sou de verdade.

Foi voltando que entendi que existem coisas que estão exclusivamente na nossa cabeça e que por muitas vezes tornamos difíceis situações que são relativamente simples de serem resolvidas.

Meu carinho e admiração por meus pais, por tudo que eles fizeram e fazem, só aumenta. Espero que, o dia que chegar a minha vez, eu consiga ser pelo menos um pouquinho do que vocês são. Que eu consiga fazer diferente tudo que já julguei vocês fazerem errado.

Longe de querer romantizar ou te contar uma história irreal – o processo de voltar não é simples e tem um preço. Mas gosto de olhar essa história por uma perspectiva mais leve e admitir que ela foi uma das maiores oportunidades de recomeço que eu poderia receber, e que agora é a hora de construir novas e boas lembranças da nossa caminhada juntos.

4 comentários

  • Selene Leal

    Um texto que toca muito para quem já passou/está passando por isso.
    É realmente um ato que requer muita coragem. Já conheci pessoas que preferem passar fome ao voltar para casa dos pais. E é claro que cada um tem a sua realidade, mas eu aprendi que nós criamos uma imagem tão monstruosa de fim de mundo, como se fosse uma vergonha e que todos vão te achar incapaz… E é a gente mesmo que cria isso sem nem ter um fundamento. A partir do momento que a gente vê o que é melhor pra gente sem ligar para que os outros vão pensar, acaba se tornando uma decisão muito mais leve.

    Eu, que estou passando por uma situação parecida hahaha aprendi que eu tenho que mais é agradecer pelo privilégio de poder voltar para casa, dos meus pais me receberem de braços abertos, de poderem me dar esse suporte, pq não é todo mundo que pode se “dar ao luxo”. Eu vi que precisava voltar, não fazia mais sentindo ir em frente com aquele emprego e ficar num lugar que eu não estava completamente feliz, senti muita falta de passar momentos com a minha família, ver meu sobrinho crescer, de estar presente nas conquistas dos meus irmãos. Recusei uma proposta para voltar para casa dos meus pais e ficar desempregada. Não é fácil, da muito medo. Mas quando eu aprendi que tá tudo bem, que a vida profissional e independente não precisa consumir com o que você é como pessoa, que o bem estar familiar é tão importante quanto o bem estar profissional, ficou mais fácil. Eu sei que não vai ser pra sempre (e nem quero que seja) mas sou grata por poder respirar e ter um pouquinho de colo dos pais novamente kkkkkkkk

    Compartilhei minha vivência pq por mais que a gente saiba que não tá fácil hoje para muita gente que possuem um diploma, parece que é só a gente que tá no fundo do poço… E não é.
    Não desista daquilo que acredita. Uma hora as coisas se encaixam como tem que ser.

    • Helena Meyer

      Criamos coisas na nossa cabeça que não tem fundamento nenhum (e o pq eu nao sei kkk). Fico feliz que mais pessoas se identificam com isso e que fizerm o “fardo do voltar” algo significativo. <3

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