Carreira

16h48

Em setembro de 2018 eu me encontrava em uma péssima fase da vida: era recém formada e estava procurando desesperadamente por uma oportunidade de trabalho na minha área de graduação.

Além de todo julgamento alheio e questionamentos de pessoas que pareciam acreditar que eu não estava me esforçando o suficiente para conseguir alguma coisa (acredite – eu estava), vinham os dilemas pessoais – afinal de contas era uma merda ter levado cinco anos para conquistar o título de engenheira e mesmo assim não ter emprego.

Se você já leu meus outros textos sobre carreira, deve ter percebido que eu estava disposta a fazer qualquer coisa e ir para qualquer lugar para trabalhar.

Isso de aceitar qualquer coisa – hoje – parece uma loucura. O desespero faz com que a gente não pense de forma muito clara e acabe se enfiando em tanto buraco por conta da nossa vida profissional que eu teria material suficiente pra escrever um livro só desses rolês.

16h48 era o fim do expediente no meu primeiro emprego – quer dizer, deveria ser. Eu, você e todo mundo que já trabalhou algum dia nessa vida sabe que a teoria – na prática – é outra.

Por incontáveis vezes, nos últimos anos, me deparei com o relógio posicionado nesse horário. Todas essas vezes foram vistas como sinais (já peço desculpas antecipadas aos que não acreditam em sinais) de que eu precisava escrever – um dia – sobre isso.

A oportunidade que tanto procurei, que fez com que eu movesse montanhas pra conseguir e que cometi loucuras pra que ela de fato fosse minha – fez com que eu entrasse em uma gradual, profunda e silenciosa depressão que não foi vista por ninguém – e que se estendeu por muito tempo.

Acho que um dos maiores sofrimentos (não considerados como tal) da geração  onde a prioridade – graças às condições proporcionadas pela família – foi apenas estudar.. é aprender sobre tudo – menos sobre como trabalhar. 

Ninguém fala abertamente sobre o mercado de trabalho, sobre como a vida lá fora da sala de aula funciona e muito menos sobre dinheiro. A realidade dentro da escola e da faculdade, é uma espécie de proteção que nós encontramos à realidade do mundo de quem precisa acordar cedo e prover recursos financeiros para si mesmo ou para a sua família. 

Por que é que isso acontece? Por que é que cada vez mais “saímos pro mundo” inconscientes do que vamos enfrentar? 

Não parece uma coisa muito louca…? Durante anos das nossas vidas, aprendemos horrores sobre coisas que nunca serão utilizadas – enquanto o rolê do dia a dia, o básico sobre regimes trabalhistas e perfis comportamentais, como montar um curriculo simples, como se portar numa entrevista de emprego, as possibilidades de diferentes áreas e papéis que podemos desempenhar como profissionais, o pensar fora da caixa – não são minimamente citados.

Nos graduamos e não temos ideia do quanto podemos ou quanto vamos ganhar. Muitas vezes não sabemos nem o quanto será necessário para viver razoavelmente bem (entenda isso como conseguir pagar as contas e fazer uma pequena reserva financeira – uma rotina sem luxos). Isso fica pior.. uma vez que, romantizamos demais a ideia do ganhar pouco e crescer lentamente, esquecemos que – o que paga as nossas contas – é dinheiro. Nós não percebemos que o dinheiro que ganhamos, talvez não seja suficiente para bancar determinado estilo de vida que achamos que podemos ter.

Era a primeira vez na vida que eu recebia um salário via regime CLT – com benefícios, dinâmica de bater ponto, férias, descontos em folha e toda a caralhada de burocracias e responsabilidades que essa nova vida trazia.

Não sabia muito bem o que esperar – só sabia que: eu tinha 22 anos, minha única experiência profissional era o estágio obrigatório e estava sendo contratada como coordenadora de uma equipe de chão de fábrica (sei que parece uma piada, mas infelizmente não é) onde trabalharia em horário comercial.

Também sabia que se batesse todas as metas (muitas delas envolviam o trabalho de outras pessoas) eu receberia uma bonificação salarial, que meu plano de saúde era com co-participação (na época eu não sabia o que significava co-participação) e que iria morar sozinha em outro estado – o que envolvia pagar contas (inclusive as despesas de um carro), cozinhar, lavar minha roupa e (parte muito legal) pedir comida sem precisar dividir com ninguém.

Tudo parecia perfeito.

Eu não sabia o que esperar – mas sabia que as expectativas das muitas pessoas a minha volta era que eu aguentasse firme… e pra ser sincera essas também eram as expectativas do meu eu recém formado. Queria aguentar firme pois queria uma carreira sólida e de sucesso. Queria poder conquistar coisas (sim, materiais) com o meu trabalho. 

Afinal de contas.. quem não quer isso?

Alguns meses atrás, fazendo uma limpa em alguns materiais da faculdade e papéis que acumulei ao longo dos últimos anos, me deparei com algumas vias de currículo impresso com anotações que eram uma especíe de roteiro para entrevistas de emprego – o que eu mais fazia era ensaiar o que dizer e o que responder em determinados cenários..

No meio do momento nostalgia, vi a seguinte pergunta: “Onde/ como você gostaria de estar daqui a 5 anos?”. Decorei tão bem o que precisava falar que consigo lembrar nitidamente que minha resposta foi exatamente a mesma escrita naquele pedaço de papel. Era super clichê e envolvia coisas como comprar um apartamento, um carro e estar casada…

Isso é engraçado. Lembro que depois de assistir muitos vídeos no YouTube e artigos encontrados em blogs na internet sobre o que dizer e como deveria me portar em entrevistas, a orientação para quando questionassem sobre planos futuros era falar algo sólido – algo que remetesse a responsabilidade e senso de crescimento. Se esse crescimento estivesse ligado a outra pessoa, melhor ainda! Isso significava que eu poderia ser extremamente resiliente às diferenças pessoais, em prol de construir relacionamentos duradouros. Mas isso ia além – demonstrar certas “ambições”, significava um senso gigantesco de comprometimento com a vida profissional – já que, precisamos dela para ter dinheiro – e precisamos de dinheiro para casar, ter bens materiais, fazer comprinhas online, decorar a casa pras festas, colocar o piso de porcelanato..

Então, falar que eu queria ser uma funcionária exemplar e dedicada para conquistar as minhas coisas e que cogitava a ideia de – num futuro não muito distante – me afundar em dívidas e juros com o banco por trinta anos para poder ser a feliz proprietária de alguns metros quadrados, parecia soar bem.

É interessante poder revisitar quem fomos e as coisas que fizemos lá atrás. Aqui estamos falando das expectativas de uma pessoa cinco anos mais jovem que não tinha a mínima ideia do que estava fazendo, muito menos que seria pega de surpresa pelos descontos da folha de pagamento somadas à ausência do bônus salarial – já que, nunca conseguiria bater aquelas metas.

A menina de 22 anos não queria aquelas coisas de verdade. Ela só queria mesmo era trabalhar na sua área de formação e poder falar para si mesma que aqueles anos de faculdade e o tempo de espera pela vaga não tinha sido em vão. 

O desespero para trabalhar como engenheira era tão grande (e tão urgente) que eu teria falado qualquer coisa para conseguir uma oportunidade –  mesmo que o “qualquer coisa”, significasse falar algo que eu não tivesse ideia do seu verdadeiro peso.

O salário que eu recebia naquela época só comportava minhas despesas, porque eu fazia uma espécie de milagre com aquele dinheiro, mas ele JAMAIS seria suficiente para tirar do papel aquele plano da aquisição dos bens – e as pessoas que me contrataram, sabiam disso. Mas elas também sabiam que eu não sabia nada da vida – e se aproveitaram disso.

Tudo bem – eu também me aproveitei.

Eu escolhi migrar para o mercado de trabalho da minha formação técnica, porque durante o tempo que passei na indústria de alimentos, percebi que a área não podia me proporcionar a vida que eu queria.

Comecei a entender – que no final das contas, baixa disponibilidade de dinheiro não seria o único preço a ser pago ao escolher ficar presa em uma profissão – exclusivamente por acreditar que não tinha outro jeito. 

Hoje eu sei o quanto aqueles cinco anos de faculdade foram parte importante da minha vida e auxiliaram na profissional que sou hoje. Também sei que a profissão que escolhemos aos 16 anos – não precisa ser uma sentença – pra ninguém. 

Passamos a vida inteira na base do tirar boas notas, entrar numa faculdade, sair da faculdade, passar no processo seletivo do estágio, conseguir um emprego, construir uma carreira naquela área que escolhemos… que não sobra espaço pra nada dar errado. Não sobra espaço pra falarmos que simplesmente não gostamos e que queremos mudar de ideia.

Eu falava exaustivamente que queria certas coisas e jurava que eram por elas que eu lutava comigo mesma todo santo dia em uma rotina caótica – mas a verdade era que eu não queria viver nada daquilo. A verdade era que eu não sabia onde eu queria estar nos próximos 5 anos. 

Conforme as semanas iam passando, começou a ficar claro que eu não fazia ideia para onde minha vida estava indo. Presenciei coisas muito erradas e estava me tornando o tipo de profissional (e pessoa) que não queria ser.  Me submeti a muito e recebi pouco em troca. Tentavam me fazer acreditar o contrário, mas era evidente que não existia um plano de carreira e qualquer sinal de uma possível melhoria – era apenas uma promessa.

Eu não sabia lidar com a saudade de casa e não sabia lidar com aquela nova vida. Não tinha sido preparada pra isso.

Nunca esqueço o quanto fui chamada de louca por pedir a conta. O quanto fui julgada por “falar mal” da profissão. Das inúmeras vezes que me falaram que eu tinha um excelente emprego e joguei tudo fora. 

Não esqueço da rotina, das horas extras, da má remuneração, das piadas, das cobranças absurdas por parte de quem não sabia fazer, das promessas, de toda a sujeira, das facadas nas costas, do caminho casa x trabalho com as lágrimas escorrendo pelos olhos.. não esqueço nunca das 16h48. 

Não esqueço do corre que fiz pra estudar por conta própria e me sentir apta para me candidatar a vagas que envolviam conhecimentos – os quais novamente – eu não tinha experiênia nenhuma. 

Não esqueço das dores de cabeça e das vezes que achei que não fosse dar certo. 

Não esqueço das infinitas vezes que me perguntaram o porque eu não queria voltar pra indústria.

Não esqueço dessas coisas, justamente para me lembrar pra onde nunca mais quero voltar.

Mas uma coisa que eu garanto que não vou esquecer nunca – é das inúmeras oportunidades que foram aparecendo no meu caminho e como fui metendo o pé na porta de todas elas. 

Se por acaso você gostou do texto, se viu em algum momento dele ou simplesmente lembrou de alguém, deixe um comentário pra eu saber – se você preferir, pode me mandar um email (contato@ahelenameyer.com) Adoro essa troca que a gente tem sobre os assuntos e os diferentes pontos de vista e opiniões que aparecem (:

Imagem de capa autoral de Nikko Macaspac, retirada do banco de imagens gratuito e público Unsplash. Disponível no link.

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