Relacionamentos

Para meu pai.

Quem me conhece sabe que, pra mim, esse é um texto difícil de escrever.

Mas considerando o tempo que temos (falei sobre isso no texto da semana passada), decidi que era hora de dedicar alguns minutos da minha vida para esse assunto.

Tenho uma lista de coisas que tenho medo de não ter tempo para dizer ou de me arrepender por deixá-las presas dentro de mim.

Meu pai não é uma pessoa fácil – e acredito muito que ele esteja ciente disso.

Para sua surpresa (ou não) – eu também não sou uma pessoa fácil – e na maior parte do tempo, estou ciente disso.

Ter mais semelhanças do que diferenças com meu pai sempre foi um dilema na minha vida, especialmente nos últimos 7 anos. Enquanto discordava de muitas atitudes dele, me pegava (e ainda me pego) fazendo coisas que remetiam à sua personalidade.

Desde que me conheço por gente, ele é o responsável pelo financeiro da casa. Minha mãe trabalhou fora uma época quando eu era bem pequena, mais tarde, ela fazia artesanatos, golas e cachecóis de tricô, bijuterias, etc., mas, esse era mais um dinheirinho dela. 

A minha família acabou tendo o famoso estereótipo de “o homem trabalha fora e a mulher cuida da casa e das crianças”. Talvez, pra mim, pra você e pros tempos que vivemos não faça sentido, mas, para eles (e para tantas outras famílias) – isso funcionou. Sendo certo ou errado – funcionou.

E aí, por conta disso, e de otras cositas más, já critiquei muito meus pais. Sendo mais específica, critiquei muito meu pai.

Parece que nós, como filhos, acreditamos que temos o direito e precisamos fazer uma avaliação minuciosa de cada passo que eles dão.

Durante anos, vi meu pai renunciando a muitas, senão todas as vontades dele em prol do nosso conforto.

Desde novos eu e meu irmão estudamos em bons colégios, sempre tivemos comida de qualidade à nossa disposição, crescemos credenciados em um ótimo plano de saúde, podíamos comprar roupas e sapatos bons e nossa casa era completa, com tudo que precisávamos.

Quando fui para o ensino médio, insistiu muito para que, assim como ele, eu fizesse um curso técnico – pois, foi por conta desse curso, que pode prestar o concurso para seu trabalho.

Falando nisso, esses dias ele me mandou uma mensagem, todo feliz, contando estar completando 25 anos de serviço na empresa. Costumo dizer que tudo que tivemos, incluindo muitas oportunidades, aconteceram por conta desse emprego.

Foi o técnico que ele insistiu que eu fizesse, que me proporcionou a base dos meus conhecimentos em programação e desenvolvimento de software. Na época eu não via muito valor e nem tinha intenção de trabalhar na área, mas hoje, sei que esse foi um dos pontos importantes da transição de carreira que decidi fazer quando não estava feliz como engenheira.

Minhas roupas não eram caras, muito menos estavam na moda (eram as que serviam hahahaha) e alguns livros do colégio eram comprados de alunos dos anos anteriores (que estavam praticamente novos e tinham um valor muito melhor).

Nunca vivi com muito luxo. Vivi em uma casa onde educação e comida na mesa eram prioridades.

E para isso ser uma prioridade, meu pai não teve muita escolha. Todos os setores que ele passou no trabalho exigiram dele disciplina e persistência.

Profissionalmente falando, sei que as coisas nunca foram fáceis. Ele cresceu passo a passo. Não teve atalho ou o famoso QI – quem indica. 

Por muitas vezes o vi chegar em casa totalmente esgotado e no outro dia encarar tudo de novo com a cabeça erguida.

Ele fez isso muito bem.

Se em algum momento ele esteve insatisfeito com a carreira, se o dinheiro ficou curto ou se acordou desanimado para encarar a rotina – nunca deixou transparecer, era algo que, provavelmente, só dividia com minha mãe.

Pra mim, foi muito fácil julgar meu pai – aliás, julgar o outro sempre é fácil. Mas, sendo muito sincera: não faço ideia o que ele viveu e as coisas que precisou passar para facilitar tudo pra gente. Acredito que, mesmo que eu quisesse muito imaginar, não seria possível.

Graças ao caminho que escolhi e aos privilégios que tive ao longo dos últimos anos, vivo numa outra realidade. No momento que estive infeliz, pude trocar de profissão sem pensar duas vezes. Pra mim, existe o home office e os horários flexíveis, que, de determinado ponto de vista, são grandes aliados da nossa vida.

Eu não sei se ele era realizado no dia a dia, se trabalhava com o que realmente gostava e se não pensou em desistir alguma vez. Talvez, essas sejam coisas que ele nunca me conte, simplesmente, por manter o foco em me incentivar a seguir em frente.

Imagino que ele tenha uma lista de sonhos que não pôde realizar e de vontades que precisou adiar ao longo da vida, seja por conta de dinheiro, de falta de tempo ou da demanda no trabalho.

Nosso relacionamento não é um mar de rosas, mas me sinto extremamente grata por tudo que vivemos juntos. Sou daquelas pessoas que acreditam que tudo que passamos e todos que encontramos em nossa vida tem um propósito maior.

Pai. Saber que hoje você tem uma vida confortável, que se dedica mais às suas vontades e está realizando sonhos que foram adiados por muitos anos, me deixa muito feliz. Sinto um alívio gigantesco em saber que existiu tempo para você fazer essas coisas e vivesse um pouquinho para si mesmo. Peço desculpas, se por acaso, em algum momento da sua jornada te fiz acreditar que eu era ingrata ou infeliz.

Pode ter certeza que, apesar de tudo que passamos, você me fez muito feliz.

Fico com o coração em paz por ter a oportunidade de te dedicar esse texto e falar que tenho muito orgulho de ser sua filha.

Espero que a gente ainda viva muitos bons momentos juntos e que pelo amor de Deus, você cuide mais da sua saúde e leve seu diabetes a sério.

Com carinho, Neni.

4 comentários

  • Romulo Zoch

    Texto leve e pesado, ao mesmo tempo.
    Emocionante reconhecimento, sem romantizacao, da realidade.

    Que, declara, com verdade, que o que foi, foi porque tinha que ser. E que, como foi, foi bom. E do ontem que reflete em um hoje melhor do que poderia ser – com certeza melhor do que é pra muitos.

    Sem devaneios sobre se poderia ter sido melhor, se isso ou aquilo fosse diferente.
    Afinal o melhor é o que se tem.

    Aposto que, se seu pai ler isso, dirá que, mesmo com as eventuais dificuldades, valeu a pena. Com certeza está orgulhoso.

    Irado browww, texto foda. Esse assunto “pai” me é bastante caro, e esse texto tocou lá dentro.

  • Fatima Botelho

    Belo texto, tenho certeza de que teu pai deve ter gostado muito. Parabéns pela maturidade, por reconhecer e falar a ele. Cresces a cada dia e isso é muito bom de ver. Deus te abençoe e ilumine que consigas conquistar teus sonhos.

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